Romance ingénuo de duas linhas paralelas

José Fanha, in Eu Sou Português Aqui

Duas linhas paralelas

muito paralelamente

iam passando entre estrelas

fazendo o que estava escrito:

caminhando eternamente

de infinito a infinito.

Seguiam-se passo a passo

exactas e sempre a par

pois só num ponto do espaço

que ninguém sabe onde é

se podiam encontrar

falar e tomar café.

Mas farta de andar sozinha

uma delas certo dia

voltou-se para a outra linha

sorriu-lhe e disse-lhe assim:

“Deixa lá a geometria

e anda aqui para o pé de mim…”

Diz-lhe a outra: “Nem pensar!

Mas que falta de respeito!

Se quisermos lá chegar

temos de ir devagarinho

andando sempre a direito

cada qual no seu caminho!”

Não se dando por achada

fica na sua a primeira

e sorrindo amalandrada

pela calada, sem um grito

deita a mãozinha matreira

puxa para si o infinito.

E com ele ali à frente

as duas a murmurar

olharam-se docemente

e sem fazerem perguntas

puseram-se a namorar

seguiram as duas juntas.

Assim nestas poucas linhas

fica uma história banal

com linhas e entrelinhas

e uma moral convergente:

o infinito afinal

fica aqui ao pé da gente!

José Fanha,
in Eu Sou Português Aqui

Leave a comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.